Testada em algumas cidades do Brasil nas eleições de 2002, ideia foi revogada no ano seguinte devido ao insucesso; especialistas ouvidos pelo iG listaram os principais problemas do sistema defendido pelo presidente Bolsonaro
Na última quinta-feira (13), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), instaurou uma comissão especial para examinar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto impresso. De autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF), a pauta satisfaz o interesse do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que, desde sua campanha às eleições de 2018, lança desconfiança a respeito da segurança das urnas eletrônicas e defende o voto 'impresso e auditável'.
Nas últimas semanas, Bolsonaro passou a defender a mudança no sistema eleitoral com tom ameaçador, chegando a afirmar que "sem voto impresso, não tem eleição em 2022". O presidente também afirmou que o "Brasil é a 'única republiqueta' que utiliza urnas eletrônicas". Não é verdade.
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Segundo o Institute for Democracy and Electoral Assistance (IDEA), que realiza pesquisas sobre a democracia, contando com o Brasil, 46 Estados utilizam algum tipo de votação eletrônica, sendo que 26 usam em eleições nacionais - incluindo França, Rússia e alguns estados dos EUA.
Conforme explica Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper, Bolsonaro "cria um fantasma" do ponto de vista do voto impresso para agradar à ala ideológica e lançar dúvida sobre o sistema vigente. O presidente já afirmou que as eleições de 2014, vencidas por Dilma, foram fraudadas. Em outra situação, disse que houve fraude eleitoral em 2018, afirmando que teria sido eleito em primeiro turno. Ele disse que apresentaria provas , mas nunca o fez.
"Há uma estratégia deliberada de lançar desconfiança ao processo, já pensando em uma eventual derrota nas urnas em 2022. E, lançando dúvidas sobre a idoneidade do sistema, o próprio Bolsonaro cai em contradição; ele não surgiu ontem na política. Foi eleito no Congresso por meio das urnas eletrônicas por cerca de 30 anos, além de ter sido alçado à cadeira presidencial também pelo mesmo sistema", avalia Consentino.
Em 25 anos de voto eletrônico, nunca houve contestação de resultados. O caso mais próximo a isso ocorreu em 2014, quando o então candidato à presidência Aécio Neves (PSDB) solicitou um processo de auditoria e, posteriormente, reconheceu a derrota, afirmando que nunca pôs em cheque a validade das urnas.
Para Consentino, a retórica bolsonarista não vai adiante: "se ele quisesse tomar essa iniciativa, já teria mobilizado o Congresso há muito tempo. Só agora, em 2021, criou-se uma comissão, mas sabemos que, no Brasil, criar comissão é uma excelente forma de não avançar com determinadas pautas. Estamos nos aproximando do período eleitoral e, cada vez mais, o tempo fica curto. Esse endurecimento do discurso deve gerar problemas com o TSE. O próprio ministro do STF Edson Fachin , que vai presidir o Tribunal Superior Eleitoral nas eleições do ano que vem, já se manifestou de forma contrária a essa demanda. Vejo apenas como um meio encontrado por Bolsonaro e pelos seus apoiadores de deslegitimar o processo eleitoral".
Savio Chalita , advogado especialista em Direito Eleitoral e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, diz que as ameaças de Bolsonaro ao atual sistema eleitoral têm de ser encaradas com maior atenção: "são falas perigosas e ameaçadoras. Que tipo de conduta ele terá caso o voto impresso não seja aprovado? O Ministério Público deve estar muito atento a isso e o Congresso deveria estar mais ocupado com esse tipo de conteúdo. É legítimo que haja discussão no Parlamento, mas falta razoabilidade e proporcionabilidade nas ponderações que estão sendo feitas".
Sistema já foi testado no Brasil
Em 2002, o modelo híbrido (urnas eletrônicas com impressão de voto) foi testado em algumas cidades do Brasil, por meio da lei 10408/2002. "O resultado foi catastrófico. Não tivemos efeito prático, apenas confirmamos o alto custo que seria implementar o mecanismo em todo o Brasil", diz Chalita. No ano seguinte, a lei acabou sendo revogada.
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