"Isso é uma invenção", diz antigo presidente sobre candidato alternativo. "O povo não engole isso aí", concorda o atual. Mas os que defendem um caminho além da dupla de favoritos nas eleições brasileiras de 2022 não desistem de lançar nomes
À medida que se aproxima outubro de 2022, data da primeira e segundas voltas da eleição presidencial do Brasil, as probabilidades de surgir um nome alternativo competitivo ao atual presidente, Jair Bolsonaro, e ao líder de 2003 a 2010, Lula da Silva, diminuem. A "terceira via", como é chamada, foi por isso desprezada por ambos, em intervenções públicas nesta semana separadas por poucas horas. Mas quem a defende ainda acredita. E por isso testa, um, dois, três, dez nomes até encontrar alguém capaz de competir com a dupla.
"Existe uma passagem bíblica que diz: seja quente ou seja frio, não seja morno. Terceira via? O povo não engole isso aí [..] Não vai dar certo, não vai agregar, não vai atrair a simpatia da população, não existe terceira via. Está polarizado", disse Bolsonaro, que continua sem partido, a uma rádio.
"A terceira via é uma invenção dos partidos que não têm candidato. Quem está sem chance [nas eleições] usa como desculpa a tal da terceira via. Seria importante que todos os partidos lançassem candidato e testassem a sua força", concordou Lula, do PT, em entrevista a outra rádio.
Mas os dois principais concorrentes a 2022, embora concordando num ponto, não perderam a oportunidade de se atacar. Para Bolsonaro, a corrida deve resumir-se a ele "e ao ex-presidiário que desviou bilhões [milhares de milhões] dos cofres públicos e vai disputar as eleições do ano que vem".
Já Lula, responde na mesma moeda: "Falam em polarização... Mas o que tem é de um lado democracia, do outro fascismo". Para rematar, ainda destacou que dá "entrevistas em pé", de forma a sublinhar os problemas de saúde - soluços e obstrução intestinal - do rival, 10 anos mais novo. "Estou com saúde e com muita disposição, inclusivamente eu estou aqui na academia [ginásio], fazendo o meu exercício diário".
Na chamada "pesquisa espontânea", quando não são dados os nomes dos candidatos aos inquiridos, da mais recente sondagem, do Instituto Datafolha, Lula surge destacado com 26% dos votos, Bolsonaro a seguir, com 19%, e Ciro Gomes, terceiro mais votado em 2018, pelo PDT, com meros 2%, tanto quanto os outros nomes todos somados.
Na "pesquisa estimulada", ou seja, com um menu de candidatos para o inquirido escolher, Lula soma 46%, Bolsonaro 25%, Ciro 8%, João Doria, o governador de São Paulo pelo PSDB, 5% e Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde do atual governo e dos quadros do DEM, 4%.
Pertenceu a Doria a primeira reação aos comentários do duo da frente sobre as possibilidades da "terceira via". "O sonho do Lula é disputar a eleição apenas com o Bolsonaro. O sonho do Bolsonaro é disputar a eleição apenas com o Lula. E o sonho dos brasileiros é que os dois percam a eleição. Não adianta serem contra, a melhor via devolverá a esperança aos brasileiros", escreveu na rede social Twitter.
Para o cientista político Vinícius Vieira, "as eleições ainda estão longe, o que alimenta as esperanças de uma alternativa ao regresso ao passado, com Lula, e à continuidade do genocídio e da eliminação de direitos económicos, sociais e políticos promovidas por Bolsonaro".
Entretanto, com a saída de cena de Luciano Huck, apresentador de televisão sem experiência política mas muita popularidade por força da sua atividade na TV Globo, e o resultado discreto de Ciro, Doria, Mandetta e outros nomes presidenciáveis testados nas sondagens, quase diariamente são lançados eventuais novos "pontas-de-lança" da propalada "terceira via".
Só na última semana falou-se no presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM), na senadora Simone Tebet (MDB) e em José Luís Datena, apresentador de programas de crime, e não só, da Rede Bandeirantes, recém filiado ao PSL, partido pelo qual Bolsonaro se elegeu em 2018 e com o qual rompeu em 2019.
"A terceira via faz aquilo a que costumamos chamar de "balão de ensaio" - busca diversos nomes para ver se há aceitação do público", diz Vinícius Vieira, professor na Fundação Armando Álvares Penteado e na Fundação Getúlio Vargas, ao DN. "É, no fundo, uma espécie de substituição das eleições primárias, que eu acho que, se existissem no Brasil, fariam muito bem ao nosso sistema político".
"Há nomes forçados, como o de Rodrigo Pacheco ou de Simone Tebet, por lhes faltar "nacionalização", isto é, são políticos conhecidos, sim, mas apenas nos seus estados e nalguns nichos", observa. "Mas o nome do Datena é interessante - interessante porque ele foi do PT, pareceu próximo de Bolsonaro após as eleições, é um personagem popular, como era Luciano Huck, e está associado a uma abordagem mais dura na segurança pública e, em certa medida, contra a corrupção".
"O nome dele parece ser lançado para tentar tirar o Bolsonaro da segunda volta, num movimento de encontrar candidatos que, não sendo da centro-direita, migrem para a centro-direita, como no caso do Ciro Gomes, por natureza de centro-esquerda, que está a migrar para a centro-direita, com divulgação de vídeos a citar a Bíblia", continua o politólogo.
Entre os outros nomes ventilados há o de Eduardo Leite, rival de Doria em eleições prévias no PSDB. O governador do Rio Grande do Sul assumiu, há semanas, a homossexualidade, "o que pode impactar no público conservador e o brasileiro, já se sabe, é muito conservador", adverte Vieira.
"Há uma tentativa também nos últimos dias de ressuscitar Sérgio Moro mas ele tem o problema de ser monotemático, ou seja, de falar só sobre corrupção, um assunto com menos apelo no contexto de miséria que enfrentamos e vamos enfrentar devido à covid-19, e de não ter apoio político, dos caciques partidários, nem da parte da população que hoje o vê como um pregador que pecou".
Renata Abreu, a presidente do partido Podemos, defendeu abertamente o nome do ex-juiz e ex-ministro da Justiça e da Segurança de Bolsonaro como candidato. Em Brasília especulou-se até com um ticket composto por Moro, para presidente, e o vice-presidente Hamilton Mourão, para o cargo que já ocupa.
Entretanto, Bruno Boghossian, colunista do jornal Folha de S. Paulo, argumenta que, "se nenhuma das muitas alternativas da terceira via emergir, competitiva, do segundo pelotão da disputa, a rejeição, [a Lula e a Bolsonaro] deve guiar a competição".
"Na primeira volta", assinala, tendo em conta a sondagem do Datafolha citada, "Lula já recebe o apoio de 68% dos eleitores que se recusam a votar em Bolsonaro". "Já o presidente tem 59% dos votos dos "antilulistas". O capitão larga em desvantagem porque a sua rejeição é maior".
"Por enquanto, o fluxo também favorece o antigo presidente na segunda volta", continua. "Num embate direto, Lula recebe um impulso de 10 pontos de eleitores "antibolsonaristas" que não haviam votado nele na primeira volta. Já os "antilulistas" dão um bónus menor a Bolsonaro: o capitão ganha só mais 5 pontos em novos votos".
A 15 meses de o Brasil ir a votos, o tempo corre, pois, a favor de Lula, o líder destacado nas sondagens, e de Bolsonaro, todos os dias exposto, para o bem e para o mal, à opinião pública. E contra a "terceira via" que ambos fazem questão de desprezar.
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